Sat 30 Sep 2017 02:00:50 PM -03
Geral
- Complexidade: circuito de complementaridade, concorrência e antagonismo de termos irredutíveis.
- Método, originalmente caminhada, 36.
- Jogo, 111.
- Simples, homologia e equivalência, 181.
- Sistema: o conceito complexo mais simples, 187.
- Poíesis, 200.
- Mumford e a máquina faraônica de 100 mil homens-vapor, 211.
- Máquinas artificiais como incompletas: a mais organizacionalmente enferma, 214-215.
Ordem e racionalidade clássica
O universo de fogo, substituindo o antigo universo de gelo,
faz soprar o vento da loucura na racionalidade clássica,
que ligava em si as ideias de simplicidade, funcionalidade
e economia. O calor ainda comporta agitação, dispersão,
ou seja, perda, despesa, dilapidação, hemorragia.
A despesa era ignorada onde reinava a ordem soberana. Esta
significava, ao contrário, economia. A economia cósmica,
física e política se fundava em uma lei geral do menor esforço,
do menor atalho de um ponto a outro, do menor custo de uma
transformação a outra. A verdade de uma teoria ainda se julga
por seu caráter econômico com relação a seus rivais, mais
dispendiosos em conceitos, postulados, teoremas.
-- 111-112
Vida
A vida, acaba-se de ver, é a emanação da organização viva;
não é a organização viva que é a emanação de um princípio vital.
-- 138
Dependência entre sistemas
Há neste encadeamento sobreposição, confusão, superposição de
sistemas e há, na necessária dependência de um em relação aos
outros.
-- 128
Simplexidade: a complexidade necessária da pragmática
Numa segunda releitura da parte inicial d'O Método, confrontei minha noção de simplexidade, ou complexidade necessária com o conceito de complexidade moriniano.
Há aí, à primeira vista, um óbvio antagonismo de pontos de vista: o simples, reducionista, seria visto em oposição ao complexo, irredutível.
O que ocorre, de fato, é que ambas as conceituações são complementares ao prestarmos atenção à qualidade necessária da noção de simplexidade, que nada mais é do que o estabelecimento de um nível de complexidade de entendimento e uso do conhecimento para determinado fim. É necessário porque pragmático, por exemplo para fins didáticos.
Por quê o simples é sedutor? Pela sua facilidade. A pragmática reducionista levou a ciência a várias revoluções. Sua sistemática facilitou enormemente a pesquisa em ciência normal. Mas pode, como Morin aponta n'O Método, circunscrever o conhecimento apenas naquilo que pode ser restringido a conceitos simples e irredutíveis, o que cada vez mais se torna impossível:
O pensamento racionalista comporta um aspecto de racionalização demente
em sua ocultação do gasto absurdo.
-- 111
Não se pode, então, confundir a pragmática de um nível de entendimento da complexidade necessária da natureza como sendo a natureza de fato. No uso da simplexidade, "travamos" temporariamente a espiral de conhecimento para que dele possamos fazer um uso prático usando o que consideramos conceitualmente mais importante, mais essencial em detrimento do desnecessário e desimportante.
Nisto, vale a formulação de Malatesta em seu texto A Organização II:
Antes de mais nada, há uma objeção, por assim dizer, formal. “Mas de
que partido nos falais? Dizem-nos, nem sequer somos um, não temos um programa”.
Este paradoxo significa que as idéias progridem, evoluem continuamente,
e que eles não podem aceitar um programa fixo, talvez válido hoje, mas
que estará com certeza ultrapassado amanhã.
Seria perfeitamente justo se se tratasse de estudantes que procuram a verdade,
sem se preocuparem com as aplicações práticas. Um matemático, um quí-
mico, um psicólogo, um sociólogo podem dizer que não há outro programa senão
o de procurar a verdade: eles querem conhecer, mas sem fazer alguma coisa.
Mas a anarquia e o socialismo não são ciências: são proposições, projetos que os
anarquistas e os socialistas querem por em prática e que, conseqüentemente,
precisam ser formulados como programas determinados. A ciência e a arte das
construções progridem a cada dia. Mas um engenheiro, que quer construir ou
mesmo demolir, deve fazer seu plano, reunir seus meios de ação e agir como se
a ciência e a arte tivessem parado no ponto em que as encontrou no início de
seu trabalho. Pode acontecer, felizmente, que ele possa utilizar novas aquisições
feitas durante seu trabalho sem renunciar à parte essencial de seu plano. Pode
acontecer do mesmo modo que as novas descobertas e os novos meios industriais
sejam tais que ele se veja na obrigação de abandonar tudo e recomeçar do
zero. Mas ao recomeçar, precisará fazer novo plano, com base no conhecimento e
na experiência; não poderá conceber e por-se a executar uma construção amorfa,
com materiais não produzidos, a pretexto que amanhã a ciência poderia sugerir
melhores formas e a indústria fornecer materiais de melhor composição.
Entendemos por partido anarquista o conjunto daqueles que querem contribuir
para realizar a anarquia, e que, por conseqüência, precisam fixar um objetivo a
alcançar e um caminho a percorrer. Deixamos de bom grado às suas elucubrações
transcendentais os amadores da verdade absoluta e de progresso contínuo, que,
jamais colocando suas idéias à prova, acabam por nada fazer ou descobrir.
https://ayrtonbecalle.files.wordpress.com/2014/03/errico-malatesta-a-organizac3a7c3a3o-ii.pdf
A simplexidade é justamente o reconhecimento do paradoxo que Malatesta coloca entre a evolução contínua das ideias e a necessidade do aqui e agora de uma escolha prática para a organização.
Assim, minha brincadeira com Morin consiste em negar o reducionismo no próprio conceito de simplicidade: em contraponto ao simples como irredutível, busco o simples não-simples, o simples complexo, a complexidade do simples e a simplicidade do complexo: antagonistas e complementares.
Saber quando e como se utilizar de determinados níveis de complexidade para a construção de entendimentos é uma arte.
A simplificação pode ajudar a andar porém pode cegar da maioria das coisas que existem e acontecem. Já a complexificação pode dificultar escolhas mas pode abrir horizontes de compreensão.
Há também uma ligação fundamental entre simplexidade e bem viver.
A complexidade não é complicação. O que é complicado pode se reduzir a um princípio
simples como um emaranhado ou um nó cego. Certamente o mundo é muito complicado, mas
se ele fosse apenas complicado, ou seja, emaranhado, multidependente, etc., bastaria
operar as reduções bem conhecidas [...] O verdadeiro problema, portanto, não
é devolver a complicação dos desenvolvimentos a regras de base simples. A complexidade
está na base.
[...]
O simples é apenas um momento arbitrátrio de abstração arrancado das complexidades,
um instrumento eficaz de manipulação laminando um complexo.
-- 456
Finalidade e causalidade
O erro é não apenas reduzir o universo da vida, do homem, da sociedade ao das
máquinas artificiais, é também redurzir o unoiverso das máquinas artificiais às
máquinas artificiais. O erro está na recionalização cibernética que só quer ou
só pode ver no ser vivo e no ser social uma máqiuna lubrificada e funcional que
pde para ser mais lubrificada e mais funcionalizada para sempre. Tal
racionalização finalitária se torna simétrica à antiga causalidade elementar,
pois, como esta, ela expulsa a incerteza e a complexidade. O erro é o mesmo do
pensamento tecnocrático que fez da máquina o eídolon de toda vida, o novo
ídolo, a rainha do mundo robotizado! A finalidade é certamente uma emergência
cibernética da vida, mas ela emerge na complexidade. Que seja no nível do
organismo, do indivíduo da reprodução da espécie, do ecossistema, da sociedade,
a ideia de finalidade deve ser simultaneamente integrada e relativizada, ou
seja, complexificada. É uma noção que não é nem clara, ne distinta, mas
pestanejante. A complexidade a desmultiplica, mas também a escurece. Os
objetivos práticos, as operações funcionais, são claros e evidentes, mas eles
se engrenam nas finalidades cada ve menos claras e menos evidentes...
-- 325
A dialógica, as dialéticas endo-exocausais têm um caráter aleatório. Quer dizer
que a causalidade complexa comporta um princípio de incerteza: nem o passado nem
o futuro podem ser inferidos diretamente do presente (Maruyama, 1974). Não pode
mais haver nem explicação segura do passado nem futurologia arrogante: pode-se,
deve-se construir cenários possíveis e improváveis para o passado e para o futuro.
É preciso compreender que mesmo a causalidade pode ter um efeito ínfimo, ou,
pelo contrário, devido às retroações amplificadoras, desestruturadoras,
morfogenéticas que ela desencadeará, ser como uma avalanche durante séculos e
séculos.
-- 329
Informacionalização
Como a informação é cada vez mais captada pelo inimigo, que se tornando cada
vez mais inteligente, como o inimigo extrai de nossos traços marcas, odores,
etc., informações para nos situar, então se desenvolvem conjuntamente a
camuflagem, o engodo, a esperteza e a arte de detectar a camuflagem, o engodo e
a esperteza. A informação se torna agora equívoca e ambivalente: ela adverte e
trai; ela informa eventualmente aquele que não deve informar: o inimigo, o
concorrente. Grande "progresso" na história da vida: a entrada da enganação na
comunicação. De agora em diante, a vitória não pertence mais somente à força e
ao endereço, mas também à esperteza, depois à mentira (homo sapiens). A mentira
humana, ao se sociologizar, ao se ideologizar, desdobra-se, frutifica, triunfa,
já que ela está ornada das virtudes da verdade. Quanto mais o universo for
informacionalizado, mais ele será assim, até que a saturação de mentira e de
hipocrisia desencadeie uma inversão da tendência, como eu quero esperar.
-- 404
Todo o poder de Estado dispõe do poder programador/ordenador sobre a sociedade
(poder de regular, legislar, deretar), do poder estratégico (elaborar e decidir
as políticas a seguir) e do poder de comando/controle. O Estado dito
"totalitário" vai mais longe: ele concentra em si a memória oficial (o poder de
escrever a História do passado e de ditar a história do presente), o controle
de todos os meios de expressão e de comunicação da informação: o monopólio do
saber verídico pelo menos no que diz respeito à sociologia e à política,
eventualmente em matéria de ciência e de artes; o controle direto de todos os
aparelhos econômicos e outros.
[...]
A idéia-chave que o poder está na produção deve ser lida e compreendida não no
sentido restrito, economista do termo produção, mas no seu sentido
organizacionista/informacional. Não é o poder sobre os "meios" de produção, é
o poder sobre a produção da produção, ou seja, a generatividade social: não é
apenas a propriedade das coisas, dos bens: o domínio está no domínio dos meios
de domínio; a dominação dos meios de dominação; o controle dos meios de
controle: o poder informacional do aparelho.
Vê-se aqui a justeza e o erro de Marx. Marx buscava o que era gerador na
sociedade, e é com uma retidão admirável que ele priorizou, antropologicamente,
a noção de ser genérico, e, sociologicamente, a noção de produção. Mas o único
fundamento que oferecia a física da época era de natureza energética: o
trabalho; da mesma forma, ele vira na sociedade o poder de classe, não o poder
do aparelho.
Ora, a teoria do Aparelho genofenomenal da uma Sociedade concebida como
organização informacional/comunicacional pode apenas renovar e enriquecer o
problema sociológico da dominação e do poder. Ela nos leva a detectar o
problema-chave da monopolização da informação. O pode é monopolizado assim que
um aparelho liga diretamente o poder ao saber (quem reina detém a verdade), o
bastão de comando ao cetro, o sagrado ao político, e por isso uma casta ou uma
classe de aparelho monopoliza as formas múltiplas de informação. A exploração e
a dominação coincidem com a relegação dos explorados e dominados às tarefas
puramente energéticas de execução, com a sua exclusão da esfera
generativa/programadora. Eles só têm direito aos sinais informando-os do que
eles devem fazer, pensar, esperar, sonhar.
-- 418 - 419